Referência Industrial

Mudança de vida

Marceneiro troca escritório de arquitetura em São Paulo para vida no interior e transforma sítio da família para produzir móveis e esculturas exclusivas

Deixar a vida em uma das maiores cidades do mundo para recomeçar do zero no sítio da família no interior. Parece roteiro de filme, mas essa é a história de Lucas Lopes das Neves, marceneiro e proprietário da Arbol Arts.

Lucas se formou em arquitetura em 2010 e trabalhava em um escritório em São Paulo. Mas a marcenaria entrou na vida do então arquiteto e a partir de 2011 ele se mudou para Jundiaí (SP) e lá começou a Arbol Arts, que produz móveis e esculturas de madeira personaizadas.

O reconhecimento pelo trabalho na Arbol Arts veio em maio deste ano, quando, ao lado do também designer carioca Guilherme Sass, pode expor seu acervo de peças na Feira Rosenbaum, em São Paulo.

A experiência de levar as peças ao público, o início e o futuro da Arbol Arts o Leitot confere em entrevista exclusiva de Lucas à Revista REFERÊNCIA INDUSTRIAL:

Como começou sua relação com a marcenaria?

Na verdade, o começo disso foi sem pretensão nenhuma de trabalhar com marcenaria. Eu estava em um escritório de arquitetura, depois que me formei. Trabalhei com arquitetura dois anos depois de ter me formado e comecei um curso de marcenaria para ter algum modo de me expressar. Ficava o dia inteiro no computador, então eu comecei esse curso em São Paulo (SP), à noite, e teve a duração de quase um ano. E aí nesse tempo eu comecei a fazer um monte de peças para mim e meus amigos. No final do curso estava mais empolgado com isso do que com arquitetura. Aí teve uma hora que tomei uma decisão de fato trabalhar com isso e ver no que ia dar. Enquanto trabalhava com arquitetura fui comprando as máquinas e me equipando, porque sabia que quando deixasse essa área ia ter que começar do zero uma coisa que nunca tive muito contato. Mas me apaixonei desde o começo, me dedicava muito ao curso e me descobri mesmo na marcenaria. Desde pequeno sempre gostei de colocar a mão na massa, inventar e ficar construindo.

Como foi o início das atividades da Arbol Arts?

Como no início de tudo tinha muita ideia e pouca técnica. Desenhava, tentava fazer de qualquer jeito, mas no começo é difícil traduzir tudo isso quando não está alinhado com a técnica. Na época pensava que estava conseguindo fazer, mas hoje quando olho as coisas que fazia, vejo que achava saber fazer alguma coisa. A gente evoluiu muito nesses 11 anos trabalhando com isso, mas no começo foi assim um pouco diferente. Muita ideia e vontade com pouca técnica. Naquela época não fazia ideia do que estava fazendo. Mas tem que dar as caras para bater e a maioria dos clientes no início eram amigos e familiares, assim os erros eram mais perdoados. Havia um sítio e tinha uma casinha no fundo, que ninguém usava, era uma espécie de depósito de coisas. Enquanto trabalhava com arquitetura comprei minhas primeiras máquinas e fui montando no sítio uma estrutura. E hoje em dia já fiz tanta fiação e anexo, que já virou um complexo. De puxadinho em puxadinho e cada vez mais fui adequando as máquinas às necessidade do espaço. É bom trabalhar com madeira em um ambiente aberto. A serragem posso descartar ali mesmo na horta ou na grama e volta para o meio ambiente.

Como é o seu desenvolvimento das peças e qual é o processo de escolha das madeiras?

Tudo começa com uma ideia, papel e caneta. Desenho todas as ideias, fazendo croquis e rascunhos. E nesse processo vou refinando, porque começa bem cru o conceito e geralmente uso softwares que usava na arquitetura para desenhar. É um processo longo até chegar a fase de execução. Mas cada peça é única. Às vezes já começa direto no protótipo e na própria madeira. Uso muita madeira que acabo achando, como madeira de demolição, peroba, geralmente nas encomendas peço freijó, jequitibá e tauari, mas a freijó e o tauari são as madeiras que mais uso. Tem muito cliente que pede a cor clarinha na madeira. Sigo pelo tom do projeto que tenho que fazer. A madeira é uma matéria-prima incrível e quanto mais trabalho com ela, mais me apaixono. Sempre que vou à madeireira, aproveito para experimentar e testar novas espécies.

Quais as principais produções da Arbol Arts?

Basicamente é fazer peças soltas. Mesa, cadeira, aparador e bancos. Nunca gostei dessa área de fazer armário ou coisa embutida. E logo no começo cheguei a pegar uns projetos para instalação de móveis em paredes, mas ao longo dos anos percebi que realmente não gostava desse tipo trabalho. Hoje trabalho só com móveis soltos e também esculturas. Elas entraram um pouco depois na minha produção. Estou muito feliz que esteja conseguindo executar esculturas por encomenda ou mesmo as minhas produções do gênero. Vendo as peças em um site e via instagram, mas 90% das vendas são para pessoas que entram em contato direto. Até pergunto aos Cientes: como me achou? Mas tem muita indicação, até por ter trabalhado com muitos arquitetos. Devido à demanda, não consigo mais lidar com tudo e era uma loucura. Porque acabava atendendo mal, não escutava o telefone tocar lá na marcenaria. Agora tenho um auxílio no atendimento e nem imaginava que fazia tanta diferença ter uma pessoa para fazer esse contato com o cliente.

A Arbol Arts conseguiu no mês de maio de 2022 participar de uma exposição em São Paulo. Como foi essa experiência?

Geralmente a produção é bem solitária. Ainda mais que não moro em São Paulo. Me formei na capital, meus amigos são de lá, mas acabei vindo para o interior, onde é o atelier e onde moro. Meu dia a dia é solitário, mas aprendi e gosto de trabalhar sozinho. Sinto que consigo me concentrar e focar melhor trabalhando sozinho. De qualquer forma, é muito legal quando tem eventos e exposições, porque consigo trocar ideias com pessoas que gostam e produzem a mesma coisa. Troco muita figurinha, nessa última expus com um artista do Rio de Janeiro. A gente acabou ficando muito amigo e esse contato ao vivo é bem bacana. É uma troca muito saudável quando encontramos pessoas que gostam e trabalham com a mesma coisa, porque 80% do tempo acabamos focados em produzir. Esses eventos acabam sendo um respiro. Ultimamente tem sido difícil ter um ócio criativo. Faz duas semanas que consegui liberar tudo que tinha para fazer e não deu dois dias já entrou um monte de serviço. Tudo com prazo, todo mundo geralmente quer as coisas rápido. Quando tenho um tempo livre tento materializar as coisas que tenho no papel, até seleciono uma ou outra que acabo levando para frente. Mesmo assim é bacana porque consigo fazer meus horários. Às vezes vou até a noite, outras vezes deixo minhas manhãs livres, mas sempre tenho que ter uma rotina para conseguir resolver as pendências.

Quais os planos para o futuro da Arbol Arts?

Meu objetivo de vida foi sempre isso. Nunca ter uma produção gigante, com mil cadeiras por mês. Sempre quis fazer menos, mas com mais cuidado, qualidade e mais autoral. Desde o começo era o plano e estou muito feliz que tenha conseguido isso para poder me sustentar e ter uma renda a partir disso. O plano é continuar exatamente nesse caminho. Uma produção mais artesanal para cada cliente. Lembro que até tínhamos uma logo que era cada peça, cada detalhe único. Cada dia estou fazendo algo diferente. Tem uma semana que estou fazendo uma mesa e já entra outro trabalho. A cada 30, 40 dias, que é o tempo que levo para fazer uma peça, entra outra completamente diferente, uma rotina bem dinâmica e ao mesmo tempo, diferente. Vamos nos profissionalizando, aprimorando técnicas e sempre estudando para encontrar jeitos melhores para se fazer as coisas. Para o futuro quero aprimorar, mas continuar fazendo o que faço, porque está dando certo.

Entrevista da REFERÊNCIA INDUSTRIAL, edição 241.

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