Referência Industrial

João Alfredo Lopes Nyegray

Formação: graduado em Direito pela Universidade Positivo e em Relações Internacionais pela Unicuritiba, com mestrado e doutorado em Relações Internacionais pela Universidade Positivo

Cargo: coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais na Universidade Positivo.

Futuro incerto

A Guerra entre Rússia e Ucrânia além de deixar impactos sociais irreparáveis, ainda tem registrado danos não apenas a economia desses países, mas também em escala global.

E esse cenário não deve durar apenas enquanto os conflitos em solo ucraniano persistem e podem gerar incertezas no mercado financeiro e de diversas commodities em todo mundo.

O especialista em relações internacionais e coordenador do curso de Comércio Exterior da Universidade Positivo, João Alfredo Lopes Nyegray, avalia que diversos impactos do conflito devem durar por tempo indeterminado.

O especialista sobre o conflito conversou com exclusividade à Revista Referência Industrial e abaixo segue a entrevista na íntegra:

1- Quais os principais impactos da Guerra entre Rússia e Ucrânia na economia mundial? Por quanto tempo esses fatores podem impactar nas finanças mundiais?

O grande impacto da agressão russa já era sentido mesmo antes do primeiro tiro ser disparado. Trata-se do aumento no preço dos combustíveis. Uma vez que os russos são grandes exportadores de petróleo e gás, a mera iminência do conflito, entre janeiro e fevereiro desse ano, já elevou esses preços que, com o início de fato da guerra, fizeram o valor do barril de petróleo disparar.

Os efeitos desse aumento foram sentidos não só no Brasil mas também pelo mundo, e todos passamos a pagar mais caro na gasolina e no diesel. Outro efeito está relacionado ao aumento no preço de alguns alimentos, em especial àqueles que utilizam trigo, largamente produzido e exportado por Rússia e Ucrânia.

O Oriente Médio, por exemplo, é muito dependente do trigo vindo dos países em guerra e a escassez e menor oferta no item também aumentaram os preços. Além de tudo isso, há a exclusão dos russos do sistema SWIFT e pesadas sanções contra a economia e as empresas vindas do país de Putin.

Todos esses fatores estão contribuindo para manter em alta a inflação global, tendência que deve seguir impactando as finanças por todo mundo. Com a proximidade da primavera e do verão na Europa, o continente deve reduzir sua dependência do gás russo, muito utilizado no aquecimento dos lares. Esperamos que a economia russa siga sentindo os efeitos das sanções.

2- Para o Brasil, quais os principais impactos com esse conflito?

Inicialmente o maior impacto foi o aumento no preço dos combustíveis. A alta dependência brasileira do modal rodoviário fez com que a alta na gasolina e no diesel tivessem um efeito em cadeia, e acabassem impactando os preços dos alimentos, dos bens de consumo e de tudo aquilo que é essencial. Há também a questão dos fertilizantes.

O Brasil, como grande exportador de produtos agrícolas, utiliza muito desse insumo não produzido localmente. Cerca de um terço dos fertilizantes utilizados pelo Brasil vem da Rússia, Ucrânia e Belarus. Rússia e Belarus seguem sendo sancionados pela guerra, e isso pode tornar os fertilizantes mais caros e reduzir a competitividade do nosso agronegócio.

Há planos nacionais para a produção local do insumo, mas essa iniciativa deve render frutos apenas no médio prazo. Outro ponto de interesse é a reunião do G7, as sete nações mais industrializadas do mundo, prevista para ocorrer em junho na Alemanha. Países como África do Sul, Índia, Indonésia e Senegal foram convidados a participar e o Brasil – pelo quarto ano seguido – ficou de fora. Uma pauta importante deve ser o conflito russo ucraniano e uma vez que, ao contrário do G7, o Brasil não tomou nenhuma medida contrária a Moscou, acabamos isolados.

3- Quando o conflito acabar, como a economia global vai se adaptar a nova realidade? Quais os principais efeitos que o pós-guerra deve deixar?

Dificilmente o término do conflito trará a normalização das relações entre o ocidente e a Rússia. Ademais, as sanções impostas a Moscou não devem ser imediatamente retiradas.

Devemos estar atentos às relações entre os BRICs – especialmente pois Brasil, Índia e China não condenaram publicamente e de forma clara as ações russas. Outro ponto relevante envolve países largamente afetados pelo conflito, embora geograficamente distantes. É o caso do Peru, onde os preços dos alimentos e combustíveis subiram drasticamente e alimentaram protestos contra o presidente; do Sri-Lanka e do Paquistão, também passando por ondas de protesto por conta dos aumentos de preço; e de várias nações do Oriente Médio dependentes de trigo, metais e gases vindos da Rússia.

Uma vez que o conflito termine – e esperamos que isso ocorra logo – as relações internacionais não devem voltar a ser o que eram. Friso que a Rússia sempre teve uma política externa considerada agressiva. Soma-se a isso as imagens tenebrosas dos crimes de guerra supostamente cometidos pelo exército russo – especialmente em Bucha. Imagino que o estigma dessas imagens fique por bastante tempo atrelado à imagem dos russos.

Entrevista da REFERÊNCIA INDUSTRIAL, edição 241.

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