Reforma Tributária
Nos primeiros seis meses do Governo Bolsonaro, duas das principais propostas da equipe econômica têm sido amplamente debatidas pelo Congresso e pela sociedade brasileira: a Reforma da Previdência, que revisa o sistema de aposentadorias, e a Reforma Tributária, que busca acabar com a desigualdade de cobranças de tributos no país e com a complexidade de um modelo que desestimula a economia como um todo.
Sobre a Reforma Tributária e como ela pode desemperrar o desenvolvimento nacional, a REFERÊNCIA INDUSTRIAL conversou com o economista e professor da PUCPR, Wilhelm Meiners, que mostrou caminhos e apontou problemas para que o governo busque uma solução na proposta que deve ser apresentada ainda neste ano. Confira:
Nome: Wilhelm Meiners
Cargo: Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná
Função: Professor e Pesquisador do Estúdio de Economia e Finanças da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
– Quais são as principais críticas sobre o atual sistema de tributos que existe no país?
Na minha visão, três são os principais problemas do sistema vigente. O primeiro deles é desincentivo à competitividade, pois essa é uma “Babel Tributária” complexa e burocrática. São doze impostos (6 federais, 3 estaduais e 3 municipais), 29 Taxas e 23 Contribuições. Com diferentes legislações (Os impostos Estaduais e Municipais podem ter regulamento próprios, assim são 27 regulamentos para o ICMS e IPVA e 5.570 regulamentos para o IPTU, ITBI e ISS). Isso gera um custo de conformidade à tributação – compliance costs of taxation – que corresponde a um desperdício de R$ 7,2 bilhões que deixam de ser alocados em atividades produtivas.
Além disso, a carga tributária é elevada considerando o que os contribuintes pagam e o que recebem de serviços e investimentos públicos. Para completar, ainda há uma falta de equidade no jogo, pois acarreta em uma regressividade distributiva: como há vários tributos que incidem pesadamente sobre salários e consumo, as pessoas de baixa renda contribuem com maior parcela de sua renda do que as pessoas de alta renda, o que contraria o princípio constitucional da isonomia e capacidade contributiva. Sem contar a precariedade nas relações trabalhistas, inadequação do pacto federativo e na guerra fiscal, gerada por incentivos fiscais concedidos para atração de investimentos, que reduzem recursos para atender investimentos e demandas sociais em segurança, saúde e educação.
– Desde quando o atual sistema dava mostras que necessitava de uma reforma ou atualização?
A estrutura tributária atual foi definida na Reforma Tributária de 1966 e fixada como norma constitucional em 1988. Desde 1991, há no Congresso, Propostas de Emenda à Constituição (PEC) encaminhando Reformas Tributárias, como a PEC nº 17/1991 do Deputado Federal Flávio Rocha que extinguia a maioria dos tributos e propunha o Imposto sobre Movimentação Financeira – IMF, conhecido como “imposto único”, cujas virtudes seriam a simplicidade, baixo custo de arrecadação e suposta dificuldade de sonegação.
Esta proposta está sendo requentada pelo atual Secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, e conta com o apoio de Paulo Guedes, Ministro da Economia. Porém é um imposto injusto, pois é regressivo e cumulativo, além de promover a informalidade e a desintermediação financeira na economia.
Em 1992 foi constituída, no âmbito do Poder Executivo, a Comissão Executiva da Reforma Fiscal, de notório saber, encabeçada pelo tributarista Ary Mattos Filho, que elaborou propostas consistentes para fusão e extinção de impostos. Depois veio a PEC nº 46/1995, do Dep. Luís Ponte e a PEC nº 175 encaminhada pelo Poder Executivo (Governo FHC) diante da nova realidade financeira com a estabilidade conquistada pelo Plano Real. Assim, pelo menos desde o início dos anos 1990, mas principalmente após o Plano Real fica clara a necessidade de uma Reforma Tributária no país.
– A partir do cenário atual e da pressão de entidades, a reforma tributária deve ser aprovada ainda este ano?
Nem tanto por conta da pressão das entidades, que possuíam uma atuação mais relevante no ciclo político anterior, mas principalmente pela pressão política de governadores e prefeitos, via CONFAZ, e pela incapacidade de coordenação política do atual governo, que não conseguiu formar uma base parlamentar sólida de apoio, e adota o confronto como tática. Assim a Reforma Tributária não deve ser votada em 2019, e não há como criar ilusões de que a Reforma Tributária seja aprovada nem mesmo em 2020, considerando que se trata de um ano eleitoral.
A Reforma Previdenciária que conta com maior apoio e base parlamentar e apoio político, e já vinha sendo negociada durante o Governo Temer, talvez seja aprovada somente depois de oito meses de governo.
– Quais os pontos deverão sofrer alterações? Isto é, quais medidas que o governo e o Congresso deverão realmente adotar?
O primeiro deles seria a simplificação tributária, como a criação do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) incidente sobre produção e comércio de bens e serviços; depois, uma reforma do Imposto de Renda, ou seja, realizar uma incidência sobre distribuição de dividendos, simplificação, maior progressividade e regras transparentes de atualização das faixas de incidência.
– Quais pontos que deveriam sofrer mudanças ou ser implementadas, mas dificilmente o governo e o Congresso vão fazer?
Vários pontos deveriam ser revistos, desde a eliminação de excessos de Contribuições e Taxas, para eliminar a cumulatividade e diminuir a complexidade tributária, passando pela descentralização fiscal, com maior arrecadação e distribuição de receitas para os municípios; eliminando a incidência tributária sobre investimentos e exportações e buscar uma unificação da legislação tributária (diminuindo competência de estados e municípios legislar sobre matéria tributária, além de criar um ambiente favorável a uma harmonização de interpretação e procedimentos administrativos de tributação).
Entrevista da REFERÊNCIA INDUSTRIAL, edição 210.