Suporte governamental
Com a crise mundial gerada pela pandemia do novo coronavírus, governos por todo o mundo tiveram que criar pacotes para o estímulo econômico em diversos segmentos industriais. Nos Estados Unidos, grande importador da madeira brasileira, o Congresso aprovou há três meses uma medida emergencial que irá auxiliar trabalhadores e empresas a enfrentar este momento de incertezas.
De acordo com o economista Roberto Dumas Damas, esse deverá ser o caminho a ser tomado por diversos países, inclusive pelo Brasil. Pesquisador de crises econômicas nos séculos XX e XXI, o especialista diz que o governo, por mais liberal que seja, não tem outra alternativa neste momento que não seja a intervenção com ações keynesianas na economia nacional.
“Não há superação de crise que não passe pela liberação de muito dinheiro e por uma política fiscal expansionista”, diz o professor do Ibmec de São Paulo e da FIA (Fundação Instituto de Administração). Mas ele alerta: o risco dessa política é gerar uma bolha financeira mais à frente. Confira a entrevista exclusiva com o consultor financeiro:
Nome: Roberto Dumas Damas
Formação: Mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra
Cargo: Professor de Economia Internacional e Economia Chinesa do Insper
Em que a crise atual se distingue das outras neste século?
As crises de 2000 e 2008, por exemplo, tiveram seu início no sistema financeiro. A que está prestes a eclodir será resultado de um problema de saúde pública que se desdobrou em uma crise de produção que, obviamente, vai surtir efeito no sistema financeiro e nas empresas. Em relação ao enfrentamento da crise, não há distinção em relação à origem dela. As formas de atuar são as mesmas.
Não há superação de crise que não passe pela liberação de muito dinheiro e por uma política fiscal expansionista. O que não pode acontecer é deixar todo o sistema quebrar, como ocorreu em 1929 nos Estados Unidos. Estimulado pelo espírito do então secretário do Tesouro de “deixar queimar” a parte “podre” do sistema, o que se viu no país foi a expansão da crise com a “queima” dos que não eram podres e a piora da situação macroeconômica.
De tempos em tempos, o planeta se vê às voltas com uma nova crise econômica. É possível evitar o surgimento de novas crises, ao menos daquelas originadas no sistema financeiro?
Sempre quando uma bolha de ativos estoura, o Banco Central ou a autoridade monetária disponibiliza mais dinheiro no mercado para evitar a contração da economia real. Só que, ao fazer isso, são plantadas as sementes da próxima bolha, da próxima crise. O coronavírus foi a “ponta da agulha” a estourar a bolha que nasceu a partir de 2008 em virtude da enorme quantidade de dinheiro em circulação. Trata-se de um processo que se retroalimenta.
O que o senhor está dizendo é que não existe solução para uma crise que não gere outra em um futuro próximo?
Existiria se fosse estabelecido que ninguém mais compraria ações, mas isso não condiz com uma economia aberta. Com mais dinheiro em circulação, onde você vai querer investir o seu dinheiro: na Bolsa que está subindo 5% por semana ou comprar um título público que paga 0,25% ao ano? Todo mundo vai na Bolsa, o que acaba inflando a bolha. Seria preciso ficar de olho na bolha de ativos, só que o Banco Central não cuida dela. Sua função é cuidar da inflação de preços. Na outra ponta, há muita falta de conhecimento sobre como funciona o sistema financeiro e como atuar nele.
Sabendo como funciona esse ciclo, não é possível construir outras soluções? Se você está no meio de um incêndio, não vai deixar de usar água para apagá-lo, mesmo sabendo que tanta água vai resultar, no futuro, em um curto-circuito que provocará um novo incêndio. A verdade é que faltam instruções de até onde se deve chegar quando a Bolsa está exagerada. Além disso, para manter a estabilidade do poder de compra da moeda, o Banco Central não pode subir os juros para furar a bolha.
Há previsão de quando será o ápice da crise e de quando ela começará a melhorar? Existe um padrão que as crises costumam seguir?
Desde 1850 tem ocorrido uma crise, em média, a cada dez anos. No ano passado, a bolha já dava sinais claros de que estava para estourar porque os valores praticados nas Bolsas de Valores de todo o planeta já estavam exagerados. Sendo assim, pode-se afirmar que a desidratação das Bolsas de Valores ocasionada pela pandemia do coronavírus nada mais é do que o retorno das coisas ao ponto no qual deveriam estar.
Em situações de crise econômica, em especial na atual, qual é o papel do governo?
Em um momento emergencial, o governo está girando a chave para o keynesianismo, ou seja, para a intervenção estatal na economia, o que é uma decisão acertada. Na atual circunstância, não adianta bater na tecla de que a piora do desemprego vai resultar em mortes no futuro. A decisão não era entre deixar as pessoas morrerem à vista, em virtude do coronavírus, ou a prazo, em razão da situação econômica resultante da crise. Essas são passíveis de serem evitadas por meio de políticas fiscais expansionistas e contracíclicas.
Entrevista da REFERÊNCIA INDUSTRIAL, edição 221.